sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Molho Branco ou Béchamel?

Béchamel 2 A confusão é justificada tanto pelos profissionais (chefs?) desinformados quanto por parte da literatura medíocre e imprecisa da qual, muitos de nós, curiosos e famintos por informações corretas, somos vítimas; e faço referência à literatura impressa mesmo, já que a virtual, apesar de vasta, é ainda mais atrapalhada e, por vezes, incorreta.
A receita original do molho béchamel, que deve seu nome ao Louis de Béchameil (Marques de Nointel, 1630–1703), nada mais é do que creme de leite fresco e molho velouté*. Tenho certeza de que muitos ficarão surpresos com esta informação, mas não podemos brigar com a história e seus registros (e.g. Larousse Gastronomique). O tempo passou e as adaptações aconteceram, sejam por questões culturais ou por intervenções de chefs que na busca por novos sabores e técnicas, acabaram recriando e estabelecendo novos padrões às referências que ainda hoje nos servem de guias. Nasceu então o molho béchamel clássico, e a diferença entre este e o que nós brasileiros chamamos de “molho branco” está no leite utilizado. Enquanto o clássico tem o leite temperado por infusão (folha de louro, fatia de cebola e flor de noz-moscada ou a própria noz-moscada), o nosso “molho branco” segue apenas com o leite puro, sem nenhuma alteração de sabor. Já vi muitos chefs dizendo que no verdadeiro béchamel o leite deve ser aromatizado com oignon piqué (uma folha de louro presa por cravos à meia cebola), ou ainda com alho e mirepoix (cenoura, cebola e aipo picados), mas o único registro crível que pude apurar nos meus incansáveis estudos sobre este assunto, foi à variação feita pelos italianos que se chama balsamella, onde o leite é aromatizado com alho, folha de louro e, por vezes, cebola.
Meu intuito ao escrever este “post” nunca foi o de impor regras, eu apenas quis esclarecer e organizar um pouco a bagunça criada por aqueles que desde sempre deveriam ser os principais propagadores do que “é”, e não do que eles acharam algum dia que fosse. Um profissional da cozinha tem o dever de respeitar o que os mestres do passado criaram. Se for para dizer e ensinar, que seja o certo, do contrário, é melhor manter o silêncio e apenas cozinhar. Os sabores não necessitam de explicações ou justificativas, mas os aprendizes interessados, sem dúvida que sim.
Então vou começar pela receita clássica, sem alteração alguma, tirada do Larousse Gastronomique, o mais famoso e importante livro de referências culinárias no mundo da gastronomia. Sua mais recente edição (a primeira é de 1938 – chef Prosper Montagné) foi assistida por profissionais do mais alto escalão como o “Chef do Século” (Prêmio Gault Millau in 1989) Jöel Robuchon, que presidiu o comitê de gastronomia da atual edição Larousse Gastronomique, chef Pierre Troigros (três estrelas no Michelin há 38 anos consecutivos e um dos criadores da nouvelle cuisine), além de tantos outros personagens do que há de mais sério neste maravilhoso mundo da Gastronomia.

Molho Béchamel Clássico (fonte: Larousse Gastronomique)
Aqueça lentamente 500 ml de leite com uma folha de louro, uma fatia grossa de cebola e uma lâmina de flor de noz-moscada. Desligue o fogo assim que o leite começar a ferver; tampe a panela e reserve por 30 minutos. Coe o leite e descarte os ingredientes restantes. Derreta lentamente, em fogo baixo, 40 g de manteiga sem sal em uma panela de fundo grosso. Adicione 40 g de farinha de trigo e mexa rapidamente até a mistura homogeneizar sem deixar que a cor se altere. Derrame o leite aos poucos e leve a fervura sem parar de mexer para prevenir a formação de grumos. Tempere com sal e pimenta (de acordo com a indicação de uso do molho) e um pouco de noz-moscada ralada. Ferva o molho gentilmente por 3-5 minutos mexendo de vez em quando.
Molho Béchamel (minha variação)
Ingredientes
- 1 l de leite
- 45 g de manteiga sem sal
- 45 g de farinha de trigo
- 1 folha de louro
- 1 fatia grossa de cebola
- 5 grãos de pimenta do reino
- sal e noz-moscada ralada
Preparo
Em uma panela em separado, leve o leite à fervura lentamente (fogo médio) com a folha de louro, a fatia de cebola e os grãos de pimenta do reino. Assim que o leite começar a ferver, desligue o fogo, tampe a panela e deixe em infusão por 20 minutos. Coe o leite num recipiente e descarte os ingredientes restantes.
Numa panela de fundo grosso, derreta a manteiga (fogo médio), adicione a farinha e mexa rapidamente para incorporá-la completamente. Cozinhe por 1 ou 2 minutos, formando um roux** claro e liso.
Retire a panela do fogo e derrame o leite aos poucos, sempre mexendo para não formar grumos. Quanto mais frio estiver o leite, menor será a chance de “empelotar” o molho, pois o amido da farinha reage quando exposto a altas temperaturas, mas não se preocupe em esfriar completamente o leite, apenas espere que ele esteja no mínimo morno.
Assim que o creme estiver integrado e homogêneo, volte a panela ao fogo médio e mexa até ferver. Abaixe o fogo e mexa por uns 5 minutos. Apague o fogo e tempere com sal e noz-moscada a gosto. Apenas uma dica: tome cuidado para não exagerar na noz-moscada, pois o seu sabor e aroma são muito fortes.
Pronto, aí está uma boa base para ser utilizada na receita que desejar.
*Velouté: molho branco feito com caldo de vitela ou frango, ou fumet (caldo de peixe), engrossado com roux branco (blanc) ou levemente tostado (blond).
**Roux: mistura espessante, feita com partes iguais de farinha de trigo e manteiga, habitualmente usada para engrossar caldos e molhos.
(crédito da foto deste “post”: ocado.com)
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