Sempre que vejo um suflê crescendo viro criança. Provavelmente foram esses mesmos olhos de criança que escolheram o título desta postagem.
Minha primeira experiência com ele não foi muito boa. O que dizer então da minha segunda? Melhor nem lembrar do horror... da criatura mole, torta e rachada que emergiu de dentro de um simpático e inofensivo ramequim, e que por sua vez, havia sido escolhido a dedo para ser o ninho do meu primeiro sabor dos anjos. Que tristeza! De serafim a lúcifer. Senti-me provocado ou ainda, mais do que isso, desafiado. Adorei!!! E foi assim então que se deu início a minha batalha em busca do suflê que dá certo.
Foram inúmeros capítulos dessa saga: experiências com muitos ovos, infinitas consistências de claras aeradas (clara em neve); muitas misturas de sabores, por vezes com farinha, outras com maisena e ainda, até mesmo, sem nenhuma delas; algumas aventuras com quantidades variadas de gema, por vezes, previamente batidas com açúcar ( gemada ) , noutras simplesmente adicionadas direto à mistura de sabor, e ainda como muitos chefs nos ensinam, sempre adicionadas de duas a duas.
Antes de mais nada é importante compreender que um suflê é uma espuma de claras de ovos (clara em neve) adicionada a um preparado (mistura) de sabor. Na maioria dos casos, esse preparado nada mais é do que um bechamel ou um roux (cozimento de manteiga e farinha) aromatizado e/ou adicionado ao ingrediente principal, responsável pelo sabor primário. É claro que existem milhares de receitas e definições de suflê que não seguem integralmente essas bases, mas como minha intenção aqui é de auxiliar os que vão se aventurar pela primeira vez no mundo dos suflês, achei por bem seguir as regras das receitas mais clássicas para defini-lo.
Dito isso, acho melhor parar por aqui, não quero correr o risco de transformar esta postagem num tratado.
Eis então alguns atalhos para aqueles que desejam embarcar nesta brincadeira:
- Bata as claras até o seu limite, mas cuidado para não bater demais, pois do contrário corre-se o risco de “aguar” a espuma (dissociação entre a água e a proteína que compõem a clara do ovo). Uma forma de amenizar esse problema, já que estamos falando de um suflê doce, é adicionar açúcar assim que as claras apresentarem um pouco de firmeza. Elas estarão suficientemente batidas no momento em que ao levantar o batedor, este ficará com um bloco sólido de espuma, formando uma “peruca de palhaço”, com uma leve pontinha puxada. Outra forma é verificar se a clara batida sustenta o peso de um ovo.
- O recipiente a serem batidas as claras deve ser preferencialmente de vidro, porcelana ou inox. Evite recipientes de plástico, pois têm um efeito nefasto e só atrapalha a formação das bolhas de ar. O que ocorre é que esse material, por mais limpo que esteja, nunca se livra de algumas moléculas de gordura e os lipídios são inimigos no processo de aeração das claras. Esse é o mesmo motivo pelo qual devemos evitar que um pouco de gema se misture às claras antes de batê-las.
- O preparado (mistura de sabor), sempre deverá estar em menor quantidade do que a clara em neve. O que queremos é que essa espuma consiga sustentar o preparado. Se não houver quantidade suficiente de espuma, o suflê não irá crescer. O que o faz crescer são as bolhas de ar que constituem esta espuma.
- Esta é uma dica velha, mas vale lembrar: não misture a espuma ao preparado com muito vigor, este deve ser um momento zen, vá com calma. Segundo madame Saint-Ange (autora da bíblia de técnicas da culinária Francesa - La Bonne Cuisine De Madame E. Saint-Ange – 1927) deve-se depositar o preparado mais leve (as claras em neve) sobre o mais denso, depois descer uma espátula como se cortasse uma torta, levantando o preparado denso pelo fundo e colocando-o sobre as claras, girando a vasilha a cada passagem.
- Sempre trabalhe com forno preaquecido em temperatura entre 180°C e 200°C. O tempo de cozimento para suflês maiores será por volta de 30 minutos e para os individuais entre 15 e 20 minutos.
- Prefira assar suflês em formas individuais (+ ou - 125 ml), tipo ramequim – é mais fácil saber quando estão prontos e a chance deles murcharem é menor.
- Jamais assuste o seu suflê. Só abra o forno na hora de servi-lo, o que invariavelmente deve acontecer assim que estiver pronto. Se o suflê ficar estacionado no balcão e não for direto à mesa, o perigo dele murchar é iminente.
- Para que o crescimento seja uniforme, limpe as bordas da forma. Unte-as com manteiga e as polvilhe com açúcar refinado, não granulado. Alguns chefs utilizam farinha de trigo ou farinha de rosca. Se for do seu gosto e estiver de acordo com o sabor, pode-se também polvilhar com chocolate em pó.
- Peneire as gemas que serão adicionadas ao preparado de sabor, assim se evita o cheiro e o sabor excessivo de gema que estão mais presentes na película protetora (Membrana Vitelínica).
Esta postagem trouxe a idéia... eu lhes trago os atalhos... e os anjos a magia.
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